Era madrugada. Miguel estava sentado, com as pernas balançando, seu olhar preocupado e se equilibrava no parapeito da cobertura de seu prédio. A vista proporcionada lhe acalmava, sentimento esse que ele não tinha há tempos. Os mais de sessenta metros que o separava do chão, não lhe incomodavam, este de fato era a menor de suas preocupações, o que estava por vir seria bem pior, isso sim lhe incomodava e muito, pois era o único a saber e nada podia fazer.
Sentado, lembrava dos acontecimentos que ocorreram para chegar ali. Começou a observar a cidade. Todas aquelas luzes, cheias de vida, despreocupadas, vivendo suas vidas rotineiras e sequer imaginar nas conseqüências de seus atos. Miguel olhou a lua cheia, teve uma sensação de despedida, como se a fosse ver pela última vez. Calmamente ele tirou do bolso seu maço de cigarro. A caixa da cor marfim, era seu cigarro favorito: Camel. Ainda observando a cidade começou a rodar o maço com as duas mãos e com um movimento decorado por seu corpo, abriu a caixa, tirou um cigarro, soltou o maço e observou este ficando cada vez menor.
Olhou para seu último cigarro. Ele tinha certeza que nada poderia ser feito. Do bolso da jaqueta tirou seu isqueiro. Um zippo que ganhara na repartição da herança do falecido pai. Colocou cigarro entre os lábios, abriu seu zippo e tentou acendê-lo, mas falhou. Em trinta anos essa fora a primeira vez. Tentou novamente. Desta vez conseguiu acender seu cigarro e colocou o isqueiro de volta ao bolso. A sensação de impotência por não poder fazer nada lhe causava um desconforto imenso, mas sabia claramente o que faria. Voltaria no tempo, através de suas anotações para ter certeza que nada tinha sido esquecido ou deixado para trás.
Do seu lado estava suas anotações, seus relatos e observações desde o começo de tudo até os acontecimentos recentes. Queria acreditar que algo seria encontrado ali, uma esperança. Era o início do inverno de 1970. Em todos os cantos era festa, a taça Jules Rimet ficaria de vez no país. Miguel, um garoto de apenas nove anos de idade terminara de colar a última figurinha do seu álbum da copa, o goleiro uruguaio Mazurkievicz, que dias antes levará um driblê do Rei Pelé e ficaria marcado para sempre. A movimentação nas ruas era intensa e o garoto saiu para ir onde seu pai sempre ficara, uma padaria duas quadras à frente.
Correu alegre até lá para mostrar o álbum, mas ficou frustrado pois não encontrara quem procurava. Tratou de passar na casa de alguns conhecidos e nada. O sentimento de frustração aumentava a cada tentativa. Após passar em todas as casas e padarias conhecidas, Miguel desistiu e voltou para casa, talvez seu pai já estaria lá. Mas outra frustração. Já era noite, sua mãe já estava aflita com o sumiço repentino do marido. A campainha tocou. A mulher pressentiu algo errado, seu sexto sentido lhe dizia. Três homens entraram pelo portão. Ela os reconheceu e sem que qualquer um deles emitisse uma palavra, caiu aos prantos. Miguel olhando pela janela não entendera o que seu tio, o padre e o chefe de polícia faziam no portão.
terça-feira, junho 05, 2007
Capítulo 1
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário