sexta-feira, junho 08, 2007

Capítulo 2 - parte 1

Foram tempos difíceis para Miguel e sua mãe. O garoto sofrera demais com a ausência da figura paterna e como seqüela da perda começou a apresentar perda de memória. A mãe rapidamente o levou ao médico, ela não podia arriscar a saúde psicológica da única pessoa que lhe restara. Um conhecido da família lhe indicara um psicanalista renomado na cidade. Após algumas sessões, o conselho foi simples. O garoto devia começar a escrever um diário ou pequenas anotações para estimular a memória. Logo após a saída do consultório, o diário foi comprado. Este tinha uma capa de couro marrom e um bloco de papel por dentro.

O garoto completara dez ano de idade e a ausência do pai já era de mais de um ano. Sua mãe passou a ser ausente também, pois a necessidade de conseguir dinheiro para o pão de todo dia, fez com que esta começasse a trabalhar, razão pela qual passava a maior parte do tempo fora de casa. Como seu bairro era tranqüilo, Miguel passava a parte da manhã na escola e a parte da tarde pelas ruas do bairro com os outros garotos fazendo grandes planos, colecionando minhoca, jogando bolinhas de gude e guerra de pipa no céu.

Durante um jogo de bolinhas de gude, Miguel acabou errando a pontaria e a força o que fez com que sua bolinha fosse para dentro da oficina do senhor Fabrízio. Nenhum garoto jamais entrara na oficina, seu dono tinha fama de não gostar de crianças e ser um sujeito rude. Miguel agora tinha a árdua tarefa de entrar. Mesmo incentivado pelos demais garotos ele sentia um frio na espinha e não conseguia juntar coragem para entrar. Após muita insistência dos companheiros, começou a entrar bem devagar na propriedade e com olhar atento, procurando pela bolinha. A propriedade era dividida em um pátio de terra e do lado direito e na frente era a oficina, imaginava Miguel.

Alguns metros depois da entrada, conseguiu achá-la no pátio. A bolinha estava cerca de dois metros dele, eram só mais alguns passos, alcança-la e sair correndo. Na ponta do pé, sem emitir qualquer ruído, conseguiu alcança-la. Abaixou-se e ouviu.
- Quem é você?

Miguel ficou paralisado. Seus músculos não o obedeciam. Ele sabia que tinha alguém atrás dele e tinha quase certeza de quem era aquela voz. Tentou se virar, mas não conseguiu. Uma sensação diferente, de medo com arrependimento de te entrado na oficina, lhe tomou o corpo. Novamente ele ouviu.
- Quem é você?

Aos poucos Miguel foi conseguindo se virar. Seu olho direito vinha fechado, o esquerdo ele tentava mais não conseguia fechá-lo, a vontade de olhar para o senhor da oficina era maior. Tinha quase conseguido se virar por completo e ouviu novamente.
- Quem é você????

O garoto trêmulo, agora com os dois olhos fechados, gaguejou:
- Mi.. Mi.. Mi.. Miguel, se.. se.. senhor.
- O que você esta fazendo na minha oficina??
- Vi.. vi.. vim pe.. pe.. pegar...
- Pare de gaguejar! Esta me irritando! Abra esses dois olhos e me diga o que faz aqui?

Miguel abriu os olhos. Finalmente algum garoto viu de quem se tratava o senhor Fabrízio. Era um homem de meia-idade, forte, com uma barba branca, seus cabelos brancos despenteados, um gorro marrom. Vestia uma camiseta branca, uma calça jeans, um avental e luvas marrons. Miguel percebera a estranha feição do proprietário da oficina. Seus traços eram quadrados, lhe lembrara o mordomo Tropeço. Seu rosto e seus braços estavam pretos, mas o garoto não sabia o porque. A voz grave novamente lhe perguntou:
- O que faz aqui??
- Eu só vim pegar minha bolinha.
- Pegue-a.

Miguel ficou incomodado mas abaixou rápido e a pegou. Em seguida o homem ordenou:
- Saia.

Sem pensar duas vezes Miguel correu. Olhou para trás e viu o velho homem mancando, entrando para a oficina. Parou de correr e ficou observando. De repente começou a ouvir batidas, que não conseguiu identificar. Curioso, voltou em direção à oficina. O homem lhe disse:
- Sabia que voltaria...

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